Rumo à insegurança: a ferrovia transformada em zona de risco
Por José Claudinei Messias, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Ferroviários da Zona Sorocabana
A cena, chocante, parece saída de um filme de terror: com 13 vagões em chamas, um trem corta a noite, colocando em risco a vida de trabalhadores e de moradores da região, além de ameaçar veículos, residências próximas e a mata fechada da Serra do Mar. Parece coisa de cinema, mas é apenas mais um episódio em que a falha na segurança pública invade o cotidiano da Baixada Santista, no Estado de São Paulo. Na última quarta-feira (26), um incêndio criminoso atingiu uma composição ferroviária em Cubatão.
Durante mais de doze horas, equipes do Corpo de Bombeiros atuaram para conter o fogo no trem da Rumo, que transportava celulose. Felizmente, ninguém ficou ferido – e isso, diante do histórico recente, chega a ser surpreendente. Ataques criminosos a trens tornaram-se recorrentes na região: somente nos últimos dois meses, há registro de outras seis ocorrências semelhantes ao longo do trecho ferroviário que corta o litoral Sul e se conecta ao Porto de Santos.

Esse cenário é resultado direto de dois fatores centrais. O primeiro é a fragilidade no combate ao crime. De janeiro a setembro deste ano, na Baixada, a Secretaria de Segurança Pública do Estado registrou mais de 33 mil casos de roubos e furtos. Os números evidenciam que o efetivo policial é insuficiente para prevenir e investigar esses delitos, o que é agravado pelas baixa remuneração das polícias paulistas, entre as piores do país.
O segundo fator é a dificuldade da empresa Rumo de garantir a segurança dos seus próprios trabalhadores, que são representados pelo Sindicato dos Trabalhadores Ferroviários da Zona Sorocabana. Não se trata de um problema recente. Há anos denunciamos o descaso da empresa com a integridade física e psicológica dos ferroviários.
Assaltos, invasões de vagões e ameaças já foram amplamente noticiados e discutidos exaustivamente em reuniões com a empresa, sempre na tentativa de construir soluções concretas. Até agora, porém, nenhuma medida realmente eficaz foi implementada. Em maio deste ano, uma guarnição da segurança privada foi alvo de disparos de arma de fogo – um fato gravíssimo que escancara o nível de vulnerabilidade da operação.
A falta de uma ação efetiva da empresa e o descaso do Governo do Estado de São Paulo ultrapassou todos os limites. Diante da omissão reiterada, em outra ocasião, nós, do Sindicato, recorremos inclusive ao Ministério Público do Trabalho (MPT), buscando assegurar o mínimo: dignidade e respeito a profissionais que desempenham um papel essencial para a logística nacional.
É paradoxal que uma empresa, considerada uma das maiores do setor logístico brasileiro, detentora de resultados expressivos e lucros elevados, sustente esse desempenho à custa do trabalho incansável de ferroviários sistematicamente expostos à violência. São esses trabalhadores que garantem o cumprimento dos contratos, o funcionamento da cadeia produtiva e a competitividade do país – e não merecem enfrentar o medo como parte da rotina, em especial nesse trecho de pouco mais de 25 km na Baixada Santista, que liga ao principal Porto da América do Sul e é considerado o mais inseguro e perigoso do país.
A sensação entre os ferroviários é de abandono. Diariamente, eles iniciam a jornada sem saber se voltarão para casa em segurança. Trabalham sob tensão constante, expostos a riscos que extrapolam qualquer limite aceitável. Até que ações firmes e efetivas sejam adotadas, cada viagem seguirá como uma roleta russa – na qual a coragem dos trabalhadores tenta compensar a proteção que lhes vem sendo negada.