Direito do Trabalho: Contratos de trabalho de empregados considerados hipersuficientes
Vanessa Dias
Atualmente no Direito do Trabalho brasileiro, há duas figuras de trabalhadores: os empregados hipossuficientes e os empregados hipersuficientes, sendo que a distinção entre os mesmos está relacionada, basicamente, à capacidade do trabalhador de negociar seus próprios direitos, especialmente em relação à autonomia na celebração de acordos e convenções coletivas.
O empregado hipossuficiente é aquele que possui uma posição de vulnerabilidade na relação de trabalho, seja por sua condição econômica, seja pela falta de conhecimentos técnicos e jurídicos necessários para negociar em igualdade de condições com o empregador.
Tradicionalmente, o Direito do Trabalho tem como princípio fundamental a proteção do trabalhador, justamente por reconhecer essa desigualdade estrutural. Assim, os empregados hipossuficientes contam com garantias mínimas, estabelecidas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e na Constituição Federal, sendo representados por sindicatos em negociações coletivas.
Por sua vez, o empregado hipersuficiente foi incluído em uma categoria especial introduzida pela Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467/2017). Essa mudança conferiu maior autonomia para determinados trabalhadores negociarem suas condições contratuais diretamente com o empregador, afastando a aplicação de algumas normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
De acordo com o artigo 444, parágrafo único, da CLT, um empregado é considerado hipersuficiente quando: possui diploma de nível superior e recebe salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do INSS (valor atualizado anualmente). Atendendo a esses requisitos, o empregado tem maior liberdade para negociar diretamente com o empregador, sem necessidade de mediação sindical, desde que respeitados os direitos constitucionais básicos.
Autonomia na negociação. O principal impacto da hipersuficiência é a possibilidade de prevalência do negociado sobre o legislado. Isso significa que, por meio de acordo individual escrito, o empregado pode pactuar cláusulas que normalmente dependeriam de convenção coletiva. Alguns exemplos incluem: jornada de trabalho e banco de horas – capacidade de negociar horas extras ou redução de carga horária / estabelecer regras personalizadas para compensação; regime de teletrabalho – definição de condições de trabalho remoto; intervalo intrajornada (respeitado o limite mínimo de trinta minutos); plano de cargos e salários e participação nos lucros e resultados (PLR) – negociações de percentuais e condições.
Essa autonomia amplia a flexibilidade nas relações de trabalho, permitindo que o contrato seja mais ajustado às necessidades do profissional e da empresa.
Apesar da liberdade concedida aos hipersuficientes, nem tudo pode ser negociado. Direitos considerados essenciais e protegidos pela Constituição Federal, como salário-mínimo, FGTS, 13º salário, aviso prévio, seguro-desemprego e normas de saúde e segurança do trabalho, por exemplo, continuam sendo obrigatórios e indisponíveis.
Além disso, eventuais abusos podem ser contestados na Justiça do Trabalho, especialmente se for comprovada coação ou desvantagem excessiva para o empregado.
A figura do empregado hipersuficiente busca trazer maior flexibilidade e modernização para as relações trabalhistas, reconhecendo que profissionais altamente qualificados possam negociar suas próprias condições de trabalho. No entanto, é essencial que essa negociação ocorra de forma equilibrada, garantindo que a autonomia contratual não resulte em perda indevida de direitos fundamentais.
A advogada Vanessa Dias atua na área Trabalhista do Lemos Advocacia Para Negócios
Roncon & Graça Comunicações
Jornalistas: Edécio Roncon / Vera Graça