O conto de Natal da economia
Rafael Cervone*
O romance Um Conto de Natal, escrito pelo romancista inglês Charles Dickens em 1843, conta a história de Ebenezer Scrooge, um homem sovina e solitário, que é visitado pelos fantasmas do Passado, do Presente e o do Futuro. Eles lhe revelam o peso de suas escolhas erradas. A economia brasileira, à sua maneira, vive algo parecido. Também recebe espectros, e todos eles insistem em nos mostrar os riscos dos nossos equívocos.
Nosso primeiro visitante é o Fantasma do Passado. Ele arrasta correntes pesadas como o Custo Brasil. Vem carregado de impostos altos, longos ciclos de juros que desafiam qualquer lógica produtiva, uma burocracia que parece ter sido criada para desestimular a geração de riqueza, insegurança pública e jurídica, rombos fiscais persistentes, custos trabalhistas que desincentivam as contratações e um sistema de crédito há tempos restritivo.
O segundo visitante, o Fantasma do Presente, não é menos incômodo. Os mesmos nós que estrangulavam o passado continuam nos apertando, agora acrescidos dos desafios da emergência climática, do cenário geopolítico global tenso e aumento da competição entre as nações. É como se estivéssemos presos em um eterno dezembro.
E, então, recebemos o terceiro visitante, o mais enigmático, o Fantasma do Futuro. Ele não traz uma sentença pronta. E isso muda tudo. Não será, necessariamente, uma assombração. Poderá ser, se quisermos, um espírito luminoso, livre dos carmas históricos. A prevalência do seu brilho depende apenas de nós, porque o amanhã brasileiro só será amigável se fizermos o que Scrooge fez: repensar escolhas.
Conseguiremos promover uma reforma administrativa verdadeira, que torne o Estado menos pesado e mais eficiente?
Baixar juros? Vencer a criminalidade? Proporcionar segurança jurídica e previsibilidade às empresas? Reduzir o Custo Brasil? E agregar excelência à educação pública, elevando produtividade, inclusão social e capacidade de competir num mundo que se desenha turbulento, veloz e cada vez menos tolerante com países que insistem em errar?
Em Dickens, Scrooge descobre que ainda há tempo. Entende que o futuro só é ruim quando decidimos não o transformar. Ao amanhecer do Natal, aquele homem bruto, rabugento, solitário, sovina e incapaz de empatia abre a janela, percebe algumas virtudes da vida e decide mudar.
O Brasil também pode exorcizar seus fantasmas e aprender com eles. Temos recursos naturais abundantes, um mercado interno dinâmico, capacidade empreendedora admirável, criatividade farta, setores econômicos, como a indústria, bem estruturados e uma sociedade que nunca desistiu de sonhar grande. Devemos e merecemos nos tornar a potência que sempre nos prometeram que seríamos.
Entretanto, essa conquista exige muito esforço e um propósito renovado de desenvolvimento sustentável. O futuro que desejamos implica a coragem de enxergar, a lucidez de escolher e a vontade política de agir. Precisamos enfrentar e vencer os desafios. Caso contrário, nossos fantasmas seguirão voltando, a cada dezembro, para cobrar o preço da omissão.
*Rafael Cervone é presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) e primeiro vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Roncon & Graça Comunicações
Jornalistas: Edécio Roncon / Vera Graça