A Metafísica dos Algoritmos e Deus.
Por AILTON VENDRAMINI *
Pensemos em Cabral, navegando rumo ao desconhecido. Imaginemos a sala de comando de sua caravela: mapas incompletos, bússolas trêmulas, cálculos feitos à luz de vela, onde as quatro operações — somar, subtrair, multiplicar e dividir — eram as causas das noites insones do calculista da rota.
Pobre calculista! Quanto tempo teria poupado se pudesse transformar multiplicações complexas em somas elegantes? Um século depois, John Napier — o escocês inquieto ofereceria essa dádiva ao mundo: os logaritmos. Com eles, a humanidade deu um salto: a complexidade se converteu em harmonia. Multiplicar e dividir tornaram-se gestos de simplicidade transformados em somas e subtrações — a matemática deu um passo em direção ao cosmos.
Mas foi com Leonhard Euler que a matemática transcendeu o cálculo e tocou o mistério.
Enquanto a modernidade separava o real do imaginário, o lógico do sensível, Euler os uniu numa única linha — e nela escreveu o que Richard Feynman chamaria, séculos depois, de “a joia mais notável da matemática”.

Cinco símbolos. Cinco mundos. E uma harmonia invisível entre eles — o flerte com a metafísica moderna.
e — O crescimento infinito
Base dos logaritmos naturais, e é o pulso do aprendizado contínuo. É a espiral da Inteligência Artificial, onde cada iteração ajusta o erro e refina o modelo. Representa o crescimento auto-organizado — o mesmo princípio que governa a vida, as redes neurais e o avanço do conhecimento.
i — O invisível que move o real
A unidade imaginária, raiz de -1, simboliza o impossível tornado mensurável. Em robótica e visão computacional, i é o domínio das simulações e dos mundos virtuais — o olho fechado da máquina, que sonha antes de enxergar. É o eixo do intangível, onde o raciocínio lógico toca o sonho digital.
π — A ordem dos ciclos (π já existia antes de Euler, todavia, não era utilizado)
A razão entre a circunferência e o diâmetro, π é o selo da perfeição circular. Na robótica, governa o movimento dos braços mecânicos; na IA, modela ritmos, repetições e padrões que retornam sobre si mesmos. É o código da harmonia periódica — o tempo do universo traduzido em algoritmo.
1 — A unidade
A identidade multiplicativa, 1 é o axioma da coerência — o “ser”. Na IA simbólica, é o conceito de verdade formal; nas máquinas cognitivas, é o framework que dá sentido à multiplicidade. Representa o centro da consciência — o ponto de equilíbrio entre real e abstrato, humano e sintético.
0 — O nada que contém o tudo
A identidade aditiva, 0 é a semente do código binário. Nos circuitos digitais, é silêncio e potencial; nas redes neurais, o vazio fértil onde o modelo esquece para aprender de novo.
Representar o nada é diferente de ser nada: é o início da criação numérica, o lugar onde nasce o possível.
Cego de um olho e com o outro fatigado, Euler vislumbrou, sozinho, nas noites frias de São Petesburgo, a fusão entre razão e imaginação, os dois hemisférios da mente humana. Sua fórmula é o ponto em que a ciência toca o mistério, o cálculo se transforma em arte e a lógica reconhece a alma.
Hoje, essa harmonia ecoa nas engrenagens da economia e nos circuitos da IA: tudo é relação, não oposição. O capital e o trabalho, o público e o privado, o crescimento e a escassez — faces distintas da mesma curva. O pobre e o rico pertencem à mesma equação social.
A verdade, como queria Euler, pode ser bela — e a beleza, racional. A metafísica contemporânea, em 2025, não pergunta apenas “o que é o real?”, mas: “como o real se calcula, se replica e se retroalimenta?”
Talvez um dia a humanidade encontre sua própria fórmula de Euler, onde o humano e o digital, o sensível e o sintético, somem-se — e resultem, finalmente, em harmonia.
* AILTON VENDRAMINI, Engenheiro eletrotécnico com 40+ anos no setor privado (ABB, VA TECH, Schneider, Veccon etc.), liderando contratos e grandes projetos. Experiência executiva no Brasil e exterior. Hoje, Diretor de Dados & Estatística e DPO de Hortolândia, à frente de LGPD e projetos de dados/IA. Articulista e consultor; MBA USP, pós-graduações FGV e especialização em Big Data.