Mais que devoção: o simbolismo do feriado de 08 de setembro em Curitiba
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Você sabia que Curitiba nasceu sob a proteção de uma santa? No século XVII, uma pequena capela erguida em devoção a Nossa Senhora da Luz dos Pinhais marcou o início do povoado que mais tarde se tornaria a capital do Paraná. Hoje, a cada 8 de setembro, se lembra não apenas a padroeira, mas também a origem da própria cidade.
De acordo com Ana Beatriz Dias Pinto, especialista em Culturas Religiosas e professora do departamento de Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), este feriado municipal é mais do que uma data religiosa: “é o ‘aniversário espiritual’ da cidade de Curitiba, cuja história começou enraizada na fé e na devoção a Nossa Senhora”, explica.
De acordo com a professora, Nossa Senhora da Luz é uma das invocações de Maria, mãe de Jesus, representada como aquela que ilumina o caminho dos fiéis. A tradição dessa devoção tem origem em Portugal, desde meados do século XV, quando o português Pero Martins, preso no Magreb, foi libertado após trinta noites de oração a Maria, que lhe apareceu em sonho e indicou onde encontrar uma imagem milagrosa junto a uma fonte de luz em Carnide, Lisboa.
Nossa Senhora da Luz… “dos Pinhais”?
Em Curitiba, a devoção chegou com os primeiros colonizadores. Segundo a Arquidiocese de Curitiba, na segunda metade do século XVII, formou-se um povoado no “sítio dos Pinhais”, local onde foi erguida em 1659 uma capela em honra à Senhora da Luz. Uma lenda conta que a imagem da Virgem amanhecia sempre voltada para os campos que os indígenas chamavam Curitiba – como se indicasse o lugar ideal para fundar a vila.
Segundo a tradição local, a mudança do povoado para o que hoje é o centro de Curitiba aconteceu por conta desse “milagre da santa”. Assim, os pioneiros consultaram o cacique Tindiquera, que fincou uma vara no local e proferiu “Coré Etuba” – “muito pinhão” em tupi-guarani. Nesse local brotou uma árvore frondosa, marcando simbolicamente o centro (marco zero) da cidade, e onde mais tarde veio a ser construída a Catedral.
O termo “dos Pinhais” foi adicionado ao nome da santa por aqui. Ele reforça essa ligação com a paisagem que cercava a região: vastos pinhais, compostos por araucárias que davam caráter e identidade à terra.
Feriado oficial
Desde 1720, os curitibanos realizam a coroação da imagem de Nossa Senhora da Luz como parte das celebrações no dia 8 de setembro. Durante a coroação, é costume que um ator vestido de anjo seja içado até o topo de um guindaste para depositar flores sobre a imagem da padroeira. Esse gesto simboliza a chegada da primavera e a esperança de renovação da vida na cidade.
Em 1995, o Papa João Paulo II reconheceu oficialmente Nossa Senhora da Luz dos Pinhais como padroeira municipal de Curitiba, um título concedido diretamente pela Santa Sé, algo raro nas cidades brasileiras.
Para além do catolicismo, a devoção se mantém viva também no quesito legislativo: ainda que Curitiba tenha sido fundada em 29 de março (de 1693), essa data não é feriado municipal – é somente ponto facultativo. Em vez disso, o feriado oficial escolhido foi o que homenageia a padroeira, em decisão da Câmara Municipal de Curitiba em 24 de agosto de 1967. “Assim, a solenidade tornou-se um marco simbólico da cidade, frequentemente estendido ao lado do 7 de setembro e transformado em uma pausa solene para curitibanos e visitantes, impulsionando o turismo local”, acentua Ana Beatriz.
Sobre a imagem da padroeira
No coração de Curitiba, a Catedral Basílica Menor de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, localizada na Praça Tiradentes, guarda a terceira (e atual) imagem da padroeira, entronizada desde o século XIX. Feita em madeira de pinho da Letônia (pinho de Riga), a escultura possui detalhes delicados e foi sucessivamente restaurada após um atentado em 1974 e o furto da imagem do Menino Jesus em 1984. A catedral metropolitana foi erguida entre 1876 e 1893 em estilo neogótico, se tornou Basílica Menor em 1993, cem anos após sua inauguração.
Nas redondezas, um marco urbano dedicado à padroeira está bem próximo: trata-se do Memorial a Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, erguido em bronze com 2,5 metros de altura e pedestal de 10 metros, inaugurado em 1993, entre as ruas São Francisco e Barão do Cerro Azul, a poucos passos da Catedral.
Aliás, Nossa Senhora da Luz dos Pinhais não se limita aos altares: ela também figura no brasão oficial da cidade, reforçando sua importância como símbolo identitário de Curitiba.
Quem não é católico pode celebrar o dia?
No feriado da Padroeira de Curitiba, a programação reúne missas, procissão, coroação da imagem, bênção do Santíssimo e até venda de bolo e rifas para arrecadação de fundos para reparos da catedral. “Essa celebração une não só tradição, fé e turismo, mas reforça o orgulho do povo curitibano pela sua origem espiritual. Para quem é devoto, Nossa Senhora da Luz dos Pinhais é aquela que ilumina os passos de nossa gente, sendo um símbolo vivo de cultura e de identidade que transpassa a história da capital paranaense”, explica a professora.
Ainda que hoje sejamos um Estado Laico, diferentemente do regime de Padroado que compôs nossa colonização inicialmente portuguesa e católica, para quem não é católico, o dia pode ser vivido como um convite ao diálogo inter-religioso e ao respeito mútuo. “É uma boa oportunidade para se reconhecer a diversidade de crenças a riqueza de uma cidade que cresceu a partir do encontro de culturas, povos e tradições, valorizando nossa memória coletiva como dimensão essencial da vida em sociedade”, conclui Ana Beatriz.