O Egípcio Desagradável
Por AILTON VENDRAMINI *
Começo avisando: o título não é xenofóbico, é etimológico. “Aedes aegypti”, nome científico do mosquito da dengue, vem do grego aēdēs — desagradável — e do latim aegypti, que significa “do Egito”. Traduzindo livremente: o “egípcio desagradável”. Pois bem, esse pequeno invasor continua ceifando vidas no Brasil, ano após ano, apesar de vacinas, campanhas e drones pulverizadores.
Em tempos de inteligência artificial, a pergunta é inevitável: será que não conseguimos mitigar esse risco com ciência e dados? A resposta dói: não existe inteligência artificial sem dados — e o Brasil continua um país pobre em dados. Pior, seus gestores continuam administrando com o “feeling”, a intuição e o improviso, como se governar fosse uma aposta de sorte. Talvez, por isso as MasterBets fazem tanto sucesso por aqui, envolvendo desde personagens icônicos da TV a discussões intermináveis no Congresso Nacional.
Nesta semana, ao elaborar uma avaliação acadêmica sobre Big Data e IA aplicadas à vigilância epidemiológica, percebi o tamanho do abismo entre o potencial tecnológico e a prática cotidiana. Temos ferramentas robustas — como QGIS, PostGIS e modelos preditivos baseados em XGBoost, LSTM e Prophet — capazes de estimar o risco de infestação e orientar ações preventivas quase em tempo real. Porém, o que predomina é a cultura da planilha solta e da resposta tardia.
Esses modelos podem ser orquestrados em um ecossistema de dados interoperável — integrando sensores climáticos, bancos entomológicos e notificações do SINAN — com camadas de governança e privacidade compatíveis com a LGPD. A adoção de pipelines padronizados (GeoServer–PostGIS–QGIS) e algoritmos de clusterização (DBSCAN, H3) permite identificar “hotspots” com precisão submunicipal, viabilizando respostas antecipadas de saúde pública e uso otimizado dos recursos municipais, em outras palavras, permite-nos salvar vidas.
Não faltam leis, mas faltam dados bem estruturados. A LGPD, a EBIA e o Plano Nacional de Inteligência Artificial criaram um marco regulatório moderno. Falta agora o salto gerencial:- unir governança de dados, interoperabilidade e ética pública para que cada município saiba exatamente onde está “O Egípcio Desagradável” antes que ele ataque.
Se conseguimos falar com desenvoltura o nome Aedes aegypti numa conversa de bar, por que será que não conseguimos levantar decentemente os dados sobre ele — e, ao contrário, nos contentamos em borrifar casas e contar corpos? A resposta, talvez, esteja menos nas asas do mosquito e mais na miopia dos que insistem em administrar de olhos vendados para a inteligência dos dados.
* AILTON VENDRAMINI, Engenheiro eletrotécnico com 40+ anos no setor privado (ABB, VA TECH, Schneider, Veccon etc.), liderando contratos e grandes projetos. Experiência executiva no Brasil e exterior. Hoje, Diretor de Dados & Estatística e DPO de Hortolândia, à frente de LGPD e projetos de dados/IA. Articulista e consultor; MBA USP, pós-graduações FGV e especialização em Big Data.