Os grafos e outras “cositas…”
Por AILTON VENDRAMINI *
A minha geração — aquela que já teve menos peso e mais cabelo — foi treinada a administrar negócios analisando gráficos de “clientes x vendas” ou “custos x peças” ou…. Bastava abrir o Excel, montar o eixo X e o eixo Y, e pronto: tínhamos a fotografia do negócio. Pois bem, isso ficou no passado.
Hoje, os dados vestem outras roupas. Antes, vinham arrumadinhos em planilhas (e davam um trabalhão para coletar); agora, aparecem em formas que nem sempre cabem em colunas e linhas. São vídeos, áudios, postagens em redes sociais, entrevistas, matérias digitais, fotografias, sons, e até rastros de sensores. O dado numérico, tabular, ainda existe — mas representa menos de 20% do total desse mundão. Os outros 80%, invisíveis para quem ainda vive no “mundo das tabelas”, escondem o verdadeiro diferencial competitivo.
Eis o ponto: quem coleta, armazena e interpreta bem esses novos dados está anos à frente dos demais. Enquanto empresas tradicionais se reúnem para vender produtos, as mais visionárias se reúnem para vender tempo — tempo de satélite, tempo de processamento, tempo de experts, tempo da atenção do consumidor. E as outras, muitas vezes, nem percebem que já estão pagando essa conta diariamente, embutida em cabos submarinos, servidores remotos e minutos de telecomunicações.
Mas não são apenas as empresas privadas que devem abrir os olhos. O setor público também precisa entender que governar é decidir com base em dados, e que a velha planilha de controle orçamentário já não dá conta da complexidade social e territorial de um município. O Estado que não estrutura seus próprios dados se torna refém dos que os possuem — sejam plataformas, empresas ou mesmo organismos internacionais. Em pleno século XXI, uma prefeitura sem política de dados é como uma cidade sem mapa: caminha, mas não sabe para onde vai.
A diferença está em quem decide começar. O primeiro passo é admitir que os dados públicos são tão valiosos quanto os privados — e que o desafio não é “tê-los”, mas fazê-los conversar. Aqui entram os agentes de IA: softwares autônomos que vasculham milhões de registros, testam combinações, medem relevância e apontam quais variáveis merecem virar eixo X e eixo Y — ou sugerem abandonar o gráfico bidimensional e enxergar redes (grafos), trajetórias no tempo, séries de eventos. Em bom português: a máquina “apresenta a mesa de trabalho” para o gestor, priorizando hipóteses que importam e descartando ruído. Isso vale para supermercados e hospitais, mas vale — e muito — para prefeituras que precisam decidir políticas de saúde, educação, assistência e segurança com base em evidências.
A boa notícia é que essa revolução não é exclusividade das Big Techs, ou seja, governos locais, universidades, startups e consórcios intermunicipais podem adotar arquiteturas modernas de dados, interoperáveis e seguras, com custos decrescentes e resultados crescentes. A diferença está em começar pequeno, acertar o rumo e escalar — projetos-piloto que provem valor em 180 dias, com métricas públicas e transparência.
Os dados não são mais os mesmos — e acompanhar essa transformação é imperativo. Costuma-se dizer que a educação é cara, mas é preciso comparar com o custo da ignorância digital. Se os dados deixaram de ser estruturados e passaram a viver em formatos semi e não estruturados, onde estão os empresários e gestores visionários? Eles já migraram. Ponto. Estão nos data lakehouses, nos grafos, nos ecossistemas onde dados conversam entre si. São as novas catedrais do conhecimento — não erguidas em concreto, mas em código e conexão.
E ao lembrar do velho Mappin no centro de São Paulo, onde eu acompanhava minha mãe e ficava fascinado com o ascensorista e seu painel de botões e manivela, penso: como terão terminado os dias daqueles homens que dominavam a máquina, mas não o futuro?
Nota de rodapé — glossário rápido
- Data Lakehouse: arquitetura que combina a flexibilidade do data lake (guardar dados brutos em grande volume) com a governança e o desempenho do data warehouse. É onde dados vivos (estruturados e não estruturados) podem ser analisados com qualidade.
- Grafos: modelo que representa relações (nós e arestas) — ideal para investigar redes de pessoas, famílias e territórios, cadeias de suprimento, fraudes e difusão de doenças.
- Ecossistemas de dados: ambiente em que múltiplas fontes (públicas e privadas) trocam dados sob regras técnicas e éticas comuns, com catálogos, interoperabilidade e auditoria.
- Agentes de IA: programas autônomos que exploram bases massivas, selecionam variáveis relevantes, priorizam hipóteses e sugerem visualizações adequadas (eixos X/Y, grafos, séries temporais), acelerando a análise crítica para a tomada de decisão.
* AILTON VENDRAMINI, Engenheiro eletrotécnico com 40+ anos no setor privado (ABB, VA TECH, Schneider, Veccon etc.), liderando contratos e grandes projetos. Experiência executiva no Brasil e exterior. Hoje, Diretor de Dados & Estatística e DPO de Hortolândia, à frente de LGPD e projetos de dados/IA. Articulista e consultor; MBA USP, pós-graduações FGV e especialização em Big Data.