Propriedade Intelectual-Pirataria-Tarifaço EUA
Texto de autoria da advogada Clara Toledo Corrêa, especialista em Propriedade Intelectual e Industrial, refutando a alegação do governo dos Estados Unidos, sobre o desrespeito à Propriedade Intelectual e a possíveis práticas de pirataria no Brasil, prejudicando empresários norte-americanos.
A Seção 301 da Lei de Comércio dos EUA de 1974, não é exatamente uma novidade. Essa ferramenta já foi utilizada nos anos de 1985, 1997 e 2018, não por coincidência, contra economias que se demonstravam em ascensão – nos anos mencionados, Japão, Índia e China, respectivamente, sofreram essa investigação.
A justificativa para o uso da Seção? “Práticas desleais de comércio”. Mas, seria mesmo sobre práticas desleais ou apenas sobre países que desafiam a hegemonia comercial dos EUA? Hoje, o Brasil está sob o julgo da Seção 301, não por acaso, somos a nona economia do mundo.
Uma das afirmativas que respaldam a Seção 301 contra o Brasil é que nosso país vem falhando na proteção à Propriedade Intelectual e para isso, é citada a Rua 25 de Março como epicentro da pirataria. O Relatório do “United States Trade Representative” (USTR – órgão dos EUA representante do governo americano nas questões relacionadas ao comércio internacional) alega que tal região de São Paulo permanece há décadas como um dos maiores mercados de produtos piratas, o que prejudicaria empresários norte-americanos. Contudo, essa narrativa ignora diversos pontos essenciais.
Primeiro: conforme estudos realizados em 2022, os EUA lideram o consumo global de pirataria – infelizmente, o Brasil não está muito longe e ocupa o quinto lugar. Segundo: afirmar que a Rua 25 de Março é o “monólito da pirataria” se trata de uma simplificação perigosa e enviesada – por óbvio existe muita pirataria por lá, mas o local abriga milhares de comerciantes formais que não lidam com produtos piratas, geram empregos e movimentam a economia popular; e por último – mas sempre – não menos importante: o Brasil possui mecanismos de combate a pirataria como a Lei Geral de Proteção de Dados, operações policiais contra falsificações e cooperação com detentores de direitos relacionados à propriedade intelectual. Ainda que seja um cenário extremamente complexo e longe de ser perfeito não podemos deixar de considerar todos os esforços realizados contra a prática de pirataria no Brasil e apenas nos prendermos a imputação de uma “insuficiência sistêmica” (que ocorre, inclusive, nos EUA).
Com isso, evidenciamos que a retórica contra o Brasil e qualquer justificativa pautada em não observância de direitos e propriedade intelectual, de fato não se pauta em argumentos racionais, mas parece seguir o manual de Steven Bannon: criar inimigos externos para alimentar um discurso nacionalista e desviar a atenção das crises domésticas. Não é de hoje que os EUA enfrentam resseção técnica e perda de influência global e pelo visto a “saída” tem sido culpar economias emergentes por supostas injustiças comerciais.
Mas, seria justo atacar do Pix, das decisões do STF às Patentes? Seriam de fato injustiças comerciais contra um terceiro? Ora, vamos combinar que nenhum brasileiro é a favor da pirataria e que essa prática antes de mais nada prejudica imensamente o nosso povo.
Diante desse cenário é possível concluir que o que de fato ocorre é uma obsessão em manter a hegemonia econômica, enquanto nos deparamos com um mundo multipolar, ou seja, que a “hegemonia econômica” é “dividida” entre vários países. Acusar o Brasil de práticas desleais e de não observância da propriedade intelectual, inclusive, por negociar tarifas preferenciais com outros países que não os EUA, é não só negar o direito à soberania comercial, mas ir de encontro com a máxima do livre comércio tão defendida pelos EUA. Ademias se faz claro que a crise da hegemonia dos EUA não se resolverá com investigações unilaterais, mas com a adaptação a uma configuração global diversificada.
Com isso, fica o questionamento: A Seção 301 seria um instrumento de justiça ou de coerção comercial? E, ainda que seja uma investigação unilateral é mais do que necessário que o Brasil responda com provas de seus avanços legais e muita diplomacia, inclusive dando apoio a empresas norte-americanas que aqui operam como a Coca-Cola. Por óbvio, a defesa da propriedade intelectual é legítima, mas não deve servir de pretexto para um protecionismo (nada) disfarçado. O melhor caminho seria rejeitar a irracionalidade e afirmar o lugar do Brasil em uma ordem econômica multipolar embasada em mais cooperação e menos intimidação.
Roncon & Graça Comunicações
Jornalistas: Edécio Roncon / Vera Graça