“Não escrever [com Roland Barthes]” – Livro híbrido de Paloma Vidal esmiúça relação entre leitor e autor

Como convivem um leitor e um autor que nunca se conheceram? Em ensaio publicado pela Tinta-da-China Brasil, a autora se fantasia de Roland Barthes e investiga o livro nunca escrito pelo filósofo francês

Um livro não escrito é o ponto de partida da pesquisadora Paloma Vidal. Em “Não escrever [com Roland Barthes]”, lançado pela Tinta-da-China Brasil, a autora não se restringe a textos e fotografias, mas corporifica o texto com vídeos, performances e narrações em áudio; uma proposta ousada de abarcar a complexidade do processo de escrita. 

No fim da vida, depois de publicar ensaios sobre a escrita e teorizar a morte do autor, o crítico francês, Roland Barthes, quis escrever um romance. Enquanto se lançava à tarefa, refletia sobre esse desejo num curso no Collège de France – que depois se tornaria o livro A preparação do romance. A obra que ele buscava fazer, Vita nova, ficou no esboço. O que o levou a não escrever?

A escritora e tradutora Paloma Vidal se deparou com a mesma inquietação. Tendo já publicado diversas peças, livros de contos, ensaio e poesia, ela tentou por vários anos escrever um romance, sem conseguir. E se surpreendeu com o fato de que, diante de um romance já anunciado e teorizado, Barthes também não concretizou o livro.

Os caminhos do crítico francês e da autora brasileira se cruzam em Não escrever [com Roland Barthes]. Numa investigação que começa na universidade e se desdobra em textos de formatos inovadores, Vidal se lança em uma busca da rotina, dos medos, do corpo e da obra de Barthes. O seu mote é, justamente, a impossibilidade de escrever.

Criação e reflexão

“Quando começou isso de me fantasiar de Barthes?”, pergunta a autora no início do livro. Ela conta que foi em 1998, no fim da graduação em Letras, que se apaixonou pelo filósofo, semiólogo e crítico francês. Esse amor inquieto atravessou os anos, transformando-se em cursos universitários que ela passou a oferecer, como professora, a partir de 2009, na Unifesp; em pesquisas que realizou no Brasil e na França; em palestras-performances que, entre 2016 e 2019, apresentou em ocasiões diversas; e neste volume, enfim, uma obra entre a criação e a reflexão. Nesses ensaios que combinam fotografia, vídeos, gestualidades e corpos, chama atenção a busca de Paloma Vidal em expor sua pesquisa acadêmica de maneiras renovadas. 

Paloma Vidal com uma máscara de Roland Barthes

O registro poético que caracteriza os textos de Não escrever [com Roland Barthes] já se mostra em “Resistir a Barthes”, que abre o volume. Uma foto de Paloma Vidal vestindo uma “máscara” com o rosto do crítico francês sintetiza as sobreposições entre pesquisadora e autor pesquisado. Em seguida, rubricas e camadas diferentes de texto instigam o leitor a se deixar guiar pelas observações sensíveis da autora. 

Esse primeiro texto guarda as marcas de sua apresentação na New York University, em 2019. O formato de palestra–performance também foi utilizado em “Não escrever”, “De minha janela” e “Nunca mantive um diário”, apresentadas em ocasiões e instituições diversas e reunidas em Não escrever [com Roland Barthes]

“Não escrever” navega por cartas de Barthes, planejando uma viagem que nunca aconteceu para o Brasil. Vidal adentra o território da ficção, imaginando suas impressões sobre lugares que teria conhecido. “De minha janela” aproxima ainda mais pesquisadora e autor pesquisado, por meio do tema da maternidade e da relação com os outros. 

“Nunca mantive um diário”, que encerra o volume, discorre mais longamente sobre os temas costurados pela autora ao longo do volume: o projeto fracassado de escrita, as relações entre vida e obra e o interesse do autor por diários.

O crítico e filósofo francês Roland Barthes (André Perlstein/ Roger-Viollet)

O diário é, justamente, a forma que Vidal explora no único texto do volume que não foi concebido como palestra. “Cadernos com R.B.” registra sua viagem à Paris, quando a autora foi até lá, na companhia dos seus dois filhos, se aprofundar na pesquisa. 

Neste e nos outros textos de Não escrever [com Roland Barthes], a autora investiga o território em que vida e obra se encontram, tanto no caso do crítico francês quanto no seu próprio.

Nessa proposta, Barthes vai sendo mostrado aos poucos: sua vida se revela pelos comentários de seus discípulos ou biógrafos, e o seu trabalho intelectual é analisado por Paloma Vidal no decorrer dos textos, em uma crítica que ela chama de “amorosa”. 

Coleção Ensaio Aberto

“Foi entre o verso e a prosa, ou entre a poesia e a teoria, que Paloma encontrou sua forma de fazer uma ‘crítica amorosa’ de Roland Barthes”, escrevem Pedro Duarte e Tatiana Salem Levy no prefácio ao livro. 

Duarte, professor da PUC-Rio, e Salem Levy, pesquisadora da Universidade NOVA de Lisboa, coordenam a Coleção Ensaio Aberto, que surgiu de uma parceria entre as duas instituições e tem início com duas publicações: Não escrever [com Roland Barthes] e A parte maldita brasileira: Literatura, excesso, erotismo, de Eliane Robert Moraes.

Ambos os manuscritos foram selecionados por meio de revisão por pares em sistema duplo-cego. A coleção recebe financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), de Portugal, e é publicada simultaneamente no Brasil e em Portugal: pela Tinta-da-china, em Lisboa, e pela Tinta-da-China Brasil, em São Paulo.

“Os Ensaios Abertos da coleção surgiram da vontade de explorar como, apesar da conhecida crítica metafísica que a Filosofia dirigiu à Literatura, elas não cessaram de se aproximar, em especial desde a Modernidade. Nessa exploração, a forma do ensaio desponta por sua capacidade de atrelar diferentes áreas, como a política e a ética, em um exercício de escrita que faz a filosofia e a literatura encontrarem-se”, explicam os coordenadores.

Sobre a autora

Paloma Vidal é escritora, tradutora e ensina Teoria Literária na Universidade Federal de São Paulo. Dedica-se à ficção e à crítica, tendo publicado romances, peças, livros de contos, de ensaios e de poesia, entre os quais: Algum lugar (7Letras, 2009), Mar azul (Rocco, 2012), Três peças (Dobra, 2014), Dupla exposição (Rocco, 2016), Wyoming e Menini (7Letras, 2018), Estar entre: Ensaios de literaturas em trânsito (Papéis Selvagens, 2019), Préhistória (7Letras, 2020) e La banda oriental (Tenemos las Máquinas, 2021). Traduziu, entre outras autoras e autores latino-americanos, Clarice Lispector, Adolfo Bioy Casares, Lina Meruane, Sylvia Molloy, Margo Glantz, Tamara Kamenszain e Silviano Santiago.

Serviço

Não escrever [com Roland Barthes]

Paloma Vidal

Coleção Ensaio Aberto

Apoio Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT – Portugal)

128 pp. | R$ 59,90 | 13 x 18,5 | lançamento: outubro

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